Nas últimas semanas nos assustamos perante a iminente deflagração de um conflito bélico no Leste Europeu, protagonizado sobretudo por Rússia e Ucrânia. Apesar da sua delimitação local, suas implicações parecem afetar de forma direta a geopolítica global, nos fazendo pensar sobre a noção de “glocal”.
Conforme o historiador francês Roger Chartier, essa noção vem se tornado uma constante na interpretação dos eventos históricos e para a leitura do tempo. Por isso, uma das práticas possíveis da história global se apega às passagens entre mundos muito distantes uns dos outros ou mesmo reconhece nas situações mais locais as interdependências que as ligam longe.
A união indissociável do global e do local levou alguns a propor a noção de “glocal”, que designa com correção, se não com elegância, os processos pelos quais são apropriadas as referências partilhadas, os modelos impostos, os textos e os bens que circulam mundialmente, para fazer sentido em um tempo e em lugar concretos.
Nesse sentido, podemos utilizar a figura de linguagem de uma gota de água atravessando o oceano para apontarmos as dimensões de uma história “glocal”, uma noção de leitura do tempo que une o indissociável e projeta a importância do evento pontual na escala universal.
Essa complexa teia de relações nos permite entender a preocupação global com o conflito travado por russos e ucranianos, assim como o pedido uníssono por paz. Contudo, para alguns teóricos como Carl Von Clausewitz “a guerra é a continuação da política por outros meios”, um comportamento praticamente inerente às sociedades estruturadas em torno de um poder.
Conforme os apontamentos do filósofo e revolucionário Mikhail Bakunin, a conquista não é somente a origem, é também o objetivo supremo de todos os Estados, sejam pequenos ou grandes, poderosos ou frágeis, liberais, monárquicos, aristocráticos ou democráticos.
Aumentar, crescer, conquistar, a qualquer preço, é uma tendência fatalmente inerente a todo Estado, qualquer que seja sua extensão, sua fraqueza ou sua força, porque é uma necessidade de sua natureza. O que é o Estado senão a organização da força; mas é da natureza não poder suportar nenhuma outra, nem superior, nem igual – não podendo a força ter outro objetivo senão a dominação, e a dominação só é real quando tudo que a entrava lhe está subjugado. Uma força só suporta outra quando a isso é obrigada, quer dizer, quando se sente impotente para destruí-la ou derrubá-la.
E complementa:
O simples fato de haver uma força igual é a negação de seu princípio e uma ameaça perpétua à sua existência, pois é a manifestação e prova da sua impotência. Consequentemente, entre todos os Estados que existem, um ao lado do outro, a guerra é permanente e a paz apenas uma trégua.
Conforme os apontamentos de Bakunin, é da natureza do Estado apresentar-se, tanto para si quanto para todos seus governados, como objeto absoluto. Servir sua prosperidade, sua grandeza, sua força, é a suprema virtude do patriotismo. Nesse âmbito o Estado não reconhece meio termo, tudo que lhe serve é bom e o que é contrário aos seus interesses é apontado como criminoso. Este é o principal argumento utilizado pelos grupos que se rivalizam em confrontos bélicos.
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