Casos, como de um aluno de 14 anos, vítima de mensagens racistas em um grupo de WhatsApp criado por alunos de uma escola de Belo Horizonte: “saudades de quando preto era só escravo” ; ou de uma aluna, em uma escola estadual de São Paulo, alvo de comentários ofensivos da professora: suas “tranças pareciam sujas”; ou o mais recente, de uma jovem impedida de entrar em um colégio militar na Bahia, sobre a alegação de que seu cabelo “deveria ser alisado”, exemplificam uma realidade estrutural que perpassa a educação escolar em todo o Brasil, como observa Ana Beatriz de Sousa Gomes (2011, p. 224):
[…] poderíamos postular que a educação escolar é um processo que exclui e discrimina, ao mesmo tempo. […] Quando mencionamos que a educação exclui, estamos nos referindo às práticas pedagógicas curriculares excludentes, ou seja, da dissociação – existente em muitas escolas – entre ensino e realidade social dos educandos pertencentes aos grupos oprimidos, às minorias sociais, como afrodescendentes, índios, portadores de deficiências físicas, dentre outros.
Apesar do advento de vários dispositivos legais, desde a promulgação da Constituição cidadã de 1988, que institui um Regime Democrático de Direito no Brasil, como os próprios artigos 3º, 5º e 242ª da Carta Magna, as Leis Federais 10.639/2003 e a 11.645/2008, os artigos 26-A e 79-B da Lei Federal 9.394/1996, a Resolução 01 do MEC/2004, que asseguram a Educação para as Relações Etnicorraciais e a superação das discriminações, o racismo institucional ainda viceja na escola, tanto privada quanto pública, nos mais diversos segmentos da comunidade escolar (alunos, professores, demais funcionários, pais ou responsáveis, etc).
Esses mecanismos de exclusão e segregação aglutinados em torno do racismo, integram o dispositivo denominado por Sueli Carneiro (2005, p. 97) de epistemicídio. Diz ela:
[…] o epistemicídio é, para além da anulação e desqualificação do conhecimento dos povos subjugados, um processo persistente de produção da indigência cultural: pela negação ao acesso a educação, sobretudo de qualidade; pela produção da inferiorização intelectual; pelos diferentes mecanismos de deslegitimação do negro como portador e produtor de conhecimento e de rebaixamento da capacidade cognitiva pela carência material e/ou pelo comprometimento da auto-estima pelos processos de discriminação correntes no processo educativo.
Assim, a vigilância e o combate ao racismo exige um esforço perene, e uma conscientização e mobilização conjunta da comunidade escolar, em suas múltiplas instâncias. Reconhecendo é, claro, a educação escolar como indutora ao antirracismo e como instrumento de reparação sociohistórica, uma vez que o ensino de escolar de qualidade dente a oportunizar melhores possibilidades de vida. Contudo, ele não é autossuficiente e necessita de um diálogo mais amplo com políticas públicas de afirmação voltadas para saúde física e psicológica, saneamento, segurança, entre outros.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 10.639/2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm.
______. Resolução no 1, de 17 de junho de 2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cnecp_003.pdf.
______. Lei 11.645/2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm.
CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. 2005.Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
GOMES, A. B. S. Igualdade étnico-racial também se aprende na escola. In: BOMFIM, M. do C. A.; GOMES, A. B. S.; BOAKARI, F. M.; OLIVEIRA, C. M. B. (Orgs.). Gênero e diversidade na escola. Teresina: EDUFPI, 2011, p. 223 – 242.
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