No dia 14 do mês passado, a Sexta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu salvo-conduto ao cultivo artesanal de Cannabis Sativa para fins medicinais.
Inicialmente, para melhor entendimento da Decisão, faz-se necessário entender o que significa o chamado “salvo-conduto”.
Em síntese, o “salvo-conduto” visa impedir que um indivíduo seja investigado, denunciado, preso, julgado e condenado pelo crime do artigo 33 da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), como se fossem traficantes. Em outras palavras, serve para evitar que a coação ilegal da liberdade aconteça.
Sob esse prisma, aquele que detém o salvo-conduto não poderá ser preso nem ter suas plantas apreendidas.
Importa mencionar ainda que para que uma conduta seja considerada crime, em termos jurídico-legais, ela precisa ofender um “bem jurídico tutelado”. A lei de drogas apresenta crimes nos quais este bem jurídico é a saúde pública.
No caso em análise, por unanimidade, ao julgar três recursos sobre o tema, o colegiado entendeu que a produção artesanal do óleo com fins terapêuticos não representa qualquer risco de lesão à saúde pública ou a qualquer outro bem jurídico protegido pela legislação antidrogas.
Os casos apreciados e relatados pelos ministros Rogerio Schietti Cruz e Sebastião Reis Júnior, dizem respeito a três pessoas que já tinham autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para usar canabidiol (CBD, um princípio ativo da maconha). No entanto, a única opção legal para eles, até então, era comprar a substância importada.
Na Sessão de julgamento, o subprocurador-geral da República José Elaeres Marques mencionou que a conduta de cultivar a cannabis para pacientes com doenças graves não pode ser considerada crime, já que incide a excludente de ilicitude conhecida como estado de necessidade:
“Não obstante a possibilidade de importar e conseguir o produto via associações, o preço ainda se revela fator determinante e impeditivo para a continuidade do tratamento em vários casos. Em razão disso, diversas famílias, em busca de uma alternativa viável, têm trilhado o caminho do Judiciário, postulando por meio de habeas corpus salvo conduto para cultivar e extrair em casa o extrato medicinal de cannabis sem o risco de serem presas e frequentando também cursos de cultivo e oficinas de extração promovidos pelas associações”.
Já o Ministro Rogério Schietti, relator de um dos recursos, defendeu que a questão deve ser analisada sob uma perspectiva de saúde pública e de dignidade humana:
“Ainda temos uma negativa do Estado brasileiro, quer pela Anvisa quer pelo Ministério da Saúde, em regulamentar essa questão. Nós transcrevemos decisões da Anvisa transferindo ao Ministério da Saúde essa responsabilidade e o Ministério da Saúde eximindo-se dessa responsabilidade, dizendo que é da Anvisa. E, assim, milhares de famílias continuam à mercê da omissão, inércia e desprezo estatal por algo que, repito, implica a saúde e o bem-estar de muitos brasileiros, a maioria deles incapacitados de custear a importação dessa medicação”, criticou.
A decisão em questão, vale apenas para os três casos analisados, entretanto, o entendimento referente a matéria, apesar de não vinculante, pode vir a orientar outras decisões em processos de instâncias inferiores que discutem o tema.
Vale acrescentar ainda que esta questão se estrutura partindo da compreensão de que o uso medicinal é uma construção social que precisa ser desenvolvida enquanto tal.
Percebe-se, portanto, que o Ministro Rogério Schietti, ao abordar a questão da Dignidade da Pessoa Humana, busca demonstrar que o eixo central da discussão trata sobre direito/saúde, e não sobre crime/violência.
Isso visto que, para que haja o acesso jurídico ao uso medicinal, é preciso ser paciente e para tanto, tem-se a necessidade da prescrição de um médico que receite a substância para o tratamento de uma doença.
Entretanto, muito embora seja reconhecida a capacidade terapêutica da cannabis, a legislação encontra-se omissa e desproporcional à realidade, de modo que não há nenhuma distinção no ordenamento jurídico entre o uso medicinal e recreativo, imputando-se ao primeiro a mesma penalidade do segundo.
E este fato é o que torna a presente decisão tão importante para os avanços da sociedade.
Assim, o subprocurador geral da república foi perspicaz ao mencionar a aplicação da excludente de ilicitude de estado de necessidade nos casos como o presente. Isso porque, inúmeras famílias brasileiras necessitam da sustância para auxiliar no tratamento de diversas enfermidades, de modo a obter qualidade de vida, garantindo-lhes o direito fundamental à dignidade humana.
Neste sentido, conforme bem exemplificado pelo subprocurador-geral da República José Elaeres Marques Teixeira, os pacientes recorrem ao Habeas Corpus buscando o auto cultivo para que o remédio seja obtido por meio da extração artesanal do óleo da planta – Evitando assim, a demora e o prejuízo financeiro relativos à importação.
Desse modo, enquanto não se altera o modelo proibicionista no Brasil, amparado pela Lei de Drogas, cresce o número de pessoas que buscam a via judicial para evitar a repressão pelo uso do que lhes serve de remédio.
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