Nas últimas décadas o fenômeno da globalização vem tornando-se mais visível em nosso cotidiano. Os filmes e músicas lançados do outro lado do globo cruzam o oceano em centésimos, através de click. Até mesmo as crises econômicas, as doenças e as guerras parecem ter solapado o sentido das fronteiras nacionais. O mundo apresenta-se, em linhas gerais, cada vez mais integrado.
Nesse cenário, nos defrontamos com dúvidas acerca das particularidades nacionais nesse mundo globalizado e com a iminente ameaça de apagamento das culturas típicas, nos perguntamos: As identidades nacionais estão sendo “homogenizadas”?
O sociólogo Stuart Hall nos apresenta algumas considerações acerca dessa pergunta. Conforme sua visão, essa interpretação da globalização pode ser considerada simplista, exagerada e unilateral. Ao invés de pensar o global “substituindo” o local seria mais acurado pensar numa nova articulação entre o “global” e o “local”.
Em sua análise, Hall aponta que parece improvável que a globalização vá simplesmente destruir as identidades nacionais. Seria mais pertinente apontá-la como uma fonte de novas identificações. O autor sustenta sua argumentação a partir da ideia de uma “geometria do poder”, isto é, a concepção que a globalização é desigualmente distribuída ao redor do globo, entre regiões e entre diferentes estratos da população dentro das regiões.
Outro ponto na crítica à ideia de homogeneização está na centralização desse fenômeno no “Ocidente” – muito embora, por definição, esse termo diga respeito ao globo inteiro.
Embora tenha se projetado a si próprio como trans-histórico e transnacional, como a força transcendente e universalizadora da modernização e da modernidade, o capitalismo global é, na verdade, um processo de ocidentalização – a exportação das mercadorias, dos valores, das prioridades, das formas de vida ocidentais. Em um processo de desencontro cultural desigual, as populações “estrangeiras” têm sido compelidas a ser os sujeitos e os subalternos do império ocidental, ao mesmo tempo em que, de forma não menos importante, o Ocidente vê-se face a face com a cultura “alienígena” e “exótica” de seu “Outro”. A globalização, à medida que dissolve as barreiras da distância, torna o encontro entre o centro colonial e a periferia colonizada imediato e intenso (Robins, 1991, p. 25).
Stuart Hall considera que os padrões de troca cultural desigual, familiar desde as primeiras fases da globalização, continuam a existir na modernidade tardia. Nesse sentido, o autor exemplifica que Se quisermos provar as cozinhas exóticas de outras culturas em um único lugar, devemos ir comer em Manhattan, Paris ou Londres e não em Calcutá ou em Nova Dellri.
Em linhas gerais, podemos observar que a globalização retém alguns aspectos da dominação global ocidental, mas as identidades culturais estão, em toda parte, sendo relativizadas pelo impacto da compressão espaço-tempo.
O fenômeno da migração ilustra bem esse argumento, considerando nossa era das comunicações globais, onde o Ocidente está situado apenas à distância de uma passagem aérea.
Após a Segunda Guerra Mundial, as potências europeias descolonizadoras pensaram que podiam simplesmente cair fora de suas esferas coloniais de influência, deixando as consequências do imperialismo atrás delas. Mas a interdependência global agora atua em ambos os sentidos. O movimento para fora (de mercadorias, de imagens, de estilos ocidentais e de identidades consumistas) tem uma correspondência num enorme movimento de pessoas das periferias para o centro, num dos períodos mais longos e sustentados de migração ”não-planejada” da história recente.
E complementa, Hall:
Impulsionadas pela pobreza, pela seca, pela fome, pelo subdesenvolvimento econômico e por colheitas fracassadas, pela guerra civil e pelos distúrbios políticos, pelo conflito regional e pelas mudanças arbitrárias de regimes políticos, pela dívida externa acumulada de seus governos para com os bancos ocidentais, as pessoas mais pobres do globo, em grande número, acabam por acreditar na ”mensagem” do consumismo global e se mudam para os locais de onde vêm os “bens” e onde as chances de sobrevivência são maiores.
Esse fluxo de sujeitos desencadeia aquilo que Stuart Hall trabalha como dialética das identidades. O primeiro efeito desse processo é a contestação dos contornos estabelecidos da identidade nacional e a exposição do seu fechamento às pressões da diferença, da “alteridade” e da diversidade cultural.
Um outro efeito observado nesse cenário é o fortalecimento de identidades locais que pode ser interpretado como uma reação defensiva dos grupos étnicos dominantes perante a ascensão de outras culturas.
No Reino Unido, por exemplo, a atitude defensiva produziu uma “inglesidade” (englishness) reformada, um “inglesismo” mesquinho e agressivo e um recuo ao absolutismo étnico, numa tentativa de escorar a nação e reconstruir “uma identidade que seja una, unificada, e que filtre as ameaças da experiência social” (Sennett, 1971, p.15). Isso frequentemente está baseado no que antes chamei de “racismo cultural” e é evidente, atualmente, em partidos políticos legais, tanto de direita quanto de esquerda, e em movimentos políticos mais extremistas em toda a Europa Ocidental.
Em linhas gerais, Stuart Hall considera que a globalização tem o efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e “fechadas” de uma cultura nacional. Nesse âmbito, podemos assistir um efeito “pluralizante” sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação, e tornado as identidades mais posicionais, políticas, plurais e diversas.
Referência: HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015.
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