Maria Elvira Brito Campos possui graduação em Letras pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (1989), Mestrado em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (1999), Doutorado em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (2003) e Pós-doutorado pela Universidade de Coimbra (2013). Atualmente, é Professora Associada II da Universidade Federal do Piauí. Danny, é sua primeira obra de ficção, e é nela que quero me deter.
As duas frases que dão título a este texto foram extraídas do referido romance (CAMPOS, 2022, p. 39); e creio que traduzem, em muito, a essência desta obra, e por isso mesmo as tomarei como motor da breve crítica que farei neste artigo.
Danny é tecido em uma forma mosaica, composto por múltiplas narrativas breves, filosóficas e com toques de delicada melancolia, e por vezes de um humor contido e refinado, com alusões e intertextualidades, as quais seguem, não apenas as vivências da personagem homônima, mas por vezes os de Laura, sua melhor amiga, bem como de seus gatos, Vic e Toly,
Danny pode parecer à primeira vista uma personagem apática, dominada pela depressão, e que se digna a passar o tempo a observar o fluxo da rua defronte sua janela, beber cerveja com sua amiga Laura, alimentar seus gatos, pintar quadros ou stalkear seu amor platônico, ou pode parecer, por vezes, uma personagem capaz de certas grosserias, mas todos estes rompantes servem para a narradora perscrutar a humanidade de seu personagem, buscando a compaixão, o medo, a melancolia, o remorso, os afetos…
A persona de Denny é abertamente “um flâneur” (CAMPOS, 2022, p. 28); e por este traço se insere o romance na tradição moderna e cosmopolita do sujeito que
“[…] observa o mundo de dentro do mesmo, do seu centro, sem que ninguém saiba que está sendo observado e estudado” (BORDINI; BERND, 2010, p. 213);
e traz consigo para o cerne da narrativa toda a embriaguez que a condição de um legítimo flâneur enseja. É sob seu olhar sensível e, quiçá, aparentemente inofensivo, que a circularidade dos múltiplos cotidianos se enreda em um discurso não apenas de natureza psicossocial pela ótica deste sujeito depressivo, bem como profundamente existencialista, na qual o próprio mundo, a cidade, diante dele converte-se em sujeito, num diálogo ininterrupto.
Não que estejamos diante dum protagonista análogo aquele da Náusea, de Jean-Paul Sartre, ou d’A morte de Ivan Ilitch, de Liev Tolstói ou da Obscena Senhora D., de Hilda Hilst, pois por debaixo de toda sua melancolia e aparente preguiça, de sua inquietação diante do que a existência se lhe impõe, há uma certa crença na solidariedade e no amor, que perpassa a relação de Danny com Laura, Vic e Toly, ou mesmo com Bruno, seu crush; e a certeza, ainda que tímida, de que esta crença é suficiente para superar, embora não de todo, o nihilismo deste estado “depressivo” em que a personagem se encontra. Esforço que em Danny, de Maria Elvira Brito Campos (2022) não soará utópico.
E uma vez mais deparamo-nos com a circularidade, pois Danny é constantemente salvo por Laura e seus gatos, e aqueles constantemente salvos por Danny; todos salvos de si mesmos, do tédio e da angústia do existir…
Embora possamos inferir disto tudo um tom profundamente intimista, este não se traduz por um ensimesmamento; há uma constante dialética, como se observa, entre a interioridade subjetiva do protagonista e a exterioridade objetiva do mundo lá fora, emoldurado pela janela de seu apartamento; embora, talvez, seja mais adequado dizer uma troca, um influxo, eminentemente dialógicos do que simplesmente uma dialética.
Por fim, cabe-nos observar, sem que demos spoilers, o final de Danny é inconcluso, aberto, indicando os devires da personagem, o próprio inacabamento do ser, a constância da inconstância, e a circularidade, este contínuo vir-a-ser de tudo o que nos faz e de tudo o que nos é propriamente humano: “É circular, Danny, é circular. E humano, demasiado humano” (CAMPOS, 2022, p. 39).
REFERÊNCIAS
CAMPOS, M. E. B. Danny. Teresina: Cancioneiro, 2022.
BORDINI; H. S.; BERND, Z. Flânerie. In: Dicionário das mobilidades culturais: percursos americanos. Zilá Bernd (Org.). Porto Alegre: Literalis, 2010, p. 211-226.