Sophie é uma bela mulher, com uma vida confortável e um marido carinhoso. O problema é que ela perdeu a memória em um acidente. Tudo o que ela sabe de si mesma é o que lhe contam. Incluindo a natureza de seu acidente. E, segundo todos à sua volta, Sophie tentou o suicídio. E, já que sobreviveu, ela deveria agradecer e seguir em frente. A pergunta é como deixar de lado tamanho buraco em sua própria história, ainda mais quando surge um homem estranho dizendo que sua vida não era tão maravilhosa como lhe dizem. Assim começa Superfície, série que estreia na Apple TV+ dia 29/7.
Um personagem sem memória, no entanto, não é um ponto de partida inovador. Identidade Bourne, Blindspot e X-Men, para ficar em apenas alguns exemplos, já exploraram a conexão entre identidade e memória e a jornada de um personagem em busca da própria história.
“Amnésia é uma ferramenta narrativa por um motivo”, reconhece Veronica West (Alta Fidelidade), criadora, produtora executiva e showrunner da série, “é sempre intrigante ter um mistério no centro da história e quando esse mistério tem uma carga emocional, e é sobre os segredos de alguém, o passado de alguém, ficamos imediatamente interessados na jornada desse personagem. Então, a pergunta que realmente fizemos no início foi: e se você acordasse um dia e não soubesse os seus próprios segredos?”
Isso porque Sophie (Gugu Mbatha-Raw, Loki), por quem sentimos enorme empatia no momento em que conhecemos sua história, revela-se muito mais complexa do que à primeira vista.
“Este é um suspense distintamente feminino, e nosso ponto de vista sempre volta à Sophie. Ela é a investigadora, mas também a investigação. E as coisas que ela está tentando descobrir são emocionais, excitantes, dark e ocultas nas fissuras de sua mente. Tudo está relacionado à personagem”, explica Veronica West.
Na pele de Sophie, Gugu Mbatha-Raw também encontrou no mistério o ponto de atração da série ambientada em São Francisco, onde sua personagem vive com o marido, James (Oliver Jackson-Cohen, O Homem Invisível), um bem-sucedido executivo do mercado financeiro. Uma vida adornada por roupas de grife, joias, bons restaurantes e uma casa lindamente decorada, mas que destoa espalhafatosamente das residências vizinhas. Bem executados, cenografia e figurinos são constantes lembranças de que, em sua perfeição, a vida de Sophie só pode ter algo de estranho em seu interior.
“É um suspense suculento, sinuoso e psicológico”, define Gugu Mbatha-Raw. “Atrai o público porque você começa no mesmo ponto de Sophie, você entra na história pelo ponto de vista dela e vai tentar entender esses personagens, a dinâmica entre eles”, continua a atriz que é também produtora executiva da série.
“Há também um triângulo amoroso”, alerta a atriz. Isso porque Thomas (Stephan James, Raça), o homem que alerta Sophie sobre para que busque a verdade sobre seu passado, garante que era seu amante.
Nesse jogo de informações, é fácil colocar o marido de Sophie no posto de vilão. Afinal, se uma mulher tenta o suicídio, e um homem que diz amá-la a avisa de que há algo errado, só pode ser culpa do marido. O que revela tanto sobre a assustadora realidade dos relacionamentos quanto como o marido bandido se tornou um clichê narrativo, e mais ainda sobre a rapidez com que nos acostumamos a rotular os personagens.
“Fico feliz em causar desconfiança”, ri Jackson-Cohen. “Nunca confie no marido deveria ser o lema geral”, ele continua. “Acho que Veronica construiu um arco para a história tão bem interligado, sempre em mutação, que você está constantemente reavaliando como se sente em relação aos personagens da série. E acho que James passa por uma verdadeira jornada. Você não pode confiar nele porque ele está constantemente ocultando alguma coisa e em alguns momentos tentando revelar algo, o que o torna indigno de confiança”, continua o ator.
Essa constante mudança de posição entre os personagens é o que melhor define Superfície. O cenário inicial de Sophie como vítima em busca de sua identidade e da verdade revela-se apenas um ponto inicial para uma teia muito mais complexa de relacionamentos, mistérios e erros que vão além de um relacionamento fraturado.
“O momento em que você se sente seguro com a informação, um novo detalhe é revelado e desarranja tudo, é um jogo de adivinhação constante. É deliciosamente estressante tentar desvendar esse enigma. E no final, é satisfatório, mas há mais perguntas. É inesgotável”, define Oliver Jackson-Cohen.
Isso porque ao final da temporada, que estreia com três episódios, seguidos de um episódio a cada sexta-feira, fica claro que há mais história para contar, com toda a estrutura de uma segunda temporada já estabelecida.
“Não há nada definido ainda”, explica Veronica West, “mas nossa intenção como narradores nunca foi criar uma série limitada e sim colocar algumas pistas no DNA da série que fizessem o público fazer mais perguntas, mostrar que a história de Sophie vai além de São Francisco. E o que eu pensei que seria interessante com o fato de Sophie ser uma britânica nos Estados Unidos é de que ela está aqui há dez anos, mas ela não falou muito sobre o passado, sobre o que a levou a cruzar o oceano para começar uma nova vida. Do que é que ela está fugindo? Se houver uma segunda temporada, é sobre isso que iremos falar”, completa a criadora da série.
E se não houver, vai ser muito frustrante. Porque, apesar da premissa já tanto explorada, Superfície faz um ótimo trabalho em surpreender o público com reviravoltas e revelações sobre seus personagens.
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